4 poemas de António Baticã Ferreira: “País Natal”; “Mar”; “Infância” e “A fonte”.

Este blogue pretende ser um lugar de divulgação da poesia guineense em português.

Como referido no post anterior, alguns poetas aparecem raramente, apenas em algumas antologias e revistas, como o caso do já referido Nagib Said e, ainda, de António Baticã Ferreira. Apresentamos, de seguida, alguns dos seus poemas mais conhecidos.

País Natal

Um sentimento de amor pátrio sobe no meu coração,
Em espírito demando o meu pais natal,
E lembro aquela floresta africana,
Cheia de caça e de verdura;
Lembro as suas imensas árvores gigantes,
A folhagem verde ou amarela
Que nos perfuma.
Revejo a minha infância,
Toda cheia de alegrias:
Eu corria pelo mato,
Espiava os animais selvagens,
Sem medo;
E olhava os lavradores nos campos,
E, no mar, os pescadores,
Que lutavam contra o vento, para agarrar o peixe,
E que eu, atento, seguia com o olhar:
Como gostava de os ver no oceano
Domar as vagas, que lhes queriam virar as barcas!
(Ah!, bem me lembro, bem me lembro do meu pais natal!)


O Mar

O mar, esse mundo que os Homens não habitam,
É imenso, tão belo e tão perfeito!
O mar tem influência singular
Sobre mim. Eu bem queria ir ver as ondas:
Valia a pena olhá-las a correr
Loucamente; valia a pena
Ver qual delas primeiro entrava na baía.


                                                                     Quadro do jovem pintor guineense Kevin Lima

Infância

Eu corria através dos bosques e das florestas
Eu corro o ruído vibrante de um bosque desvendado,
Eu via belos pássaros voando pelos campos 
E parecia ser levado por seus cantos. 

Subitamente, desviei os meus olhos 
Para o alto mar e para os grandes celeiros 
Cheios da colheita dos bravos camponeses 
Que, terminando o dia, regressavam à noite entoando

Canções tradicionais das selvas africanas 
Que lhes lembravam os ódios ardentes 
Dos velhos. Subitamente, uma corça gritou 
Fugindo na frente dos leões esfomeados.

Aos saltos, os leões perseguiram a corça 
Derrubando as lianas e afugentando os pássaros. 
A desgraçada atingiu a planície 
E os dois reis breve a alcançaram.


                                                             Outro quadro do jovem pintor guineense Kevin Lima

A Fonte

                        I 
Eis-me perto da Fonte, muito perto.
Vejo brotar a água,
Uma água clara e límpida,
Boa, amável!

Eis a Fonte:
Fica perto de Badiopor. 
Junto dela nasci:
Eis a Fonte da minha infância.

Sim, eu amo essa Fonte,
Admiro-a,
Brinco,
Eu e meus irmãos, à sua beira.

Fica, fica perto de Badiopor, 
Desse lugar quase sagrado, 
Desse lugar ensombrado;
Badiopor, fonte de nossas almas.

A sua água nos atrai, 
E acarinha-nos. 
Vemo-la noite e dia;

E a Fonte que está mais perto.

Olha: a água a brotar da nascente, 
Como de fonte, 
Como um regato!

(Sim, parece-se mais com um regato.)

                         II

Mais pequena ainda que a Fonte, 
É a nascente onde tudo vem beber. 
A nascente, nossos pais, amamo-la. 
Nossa.

A nascente é fonte das árvores e das folhas.
Olhamos a nascente, o ribeiro,
Manancial de nossos pais.

É verdade:

Esta Fonte é mui antiga,

Nascente da Tradição, 
Fonte da Historia; eis 
O manancial do Reino, 
Tão perto de Badiopor!

Bem me lembro:
Há muito que ela se conserva no mesmo lugar, 
Manando água cristalina. 
Eis, eis a Fonte do Reino.

Ela protege-nos, 
Ela é a alma das crianças;
Fonte do Reino, força nossa, 
Ela é a nossa protectora.

As chaves do Reino onde estão?

Nessa Fonte,
Onde meus irmãos e eu vemos às vezes monstros
E trememos então de medo,
Ou choramos.

(Nós, filhos do Reino, 

Nos, príncipes desse seu Reino.)

                          III

É verdade, como príncipes, 
De tudo cantamos,

Nos, príncipes de Baboque 
Bem amados, 
Pelo sangue 
Oriundos daquele Rei,

Daquele que é Rei dos Reis;
Nos que vimos do seu Reino,
De todos o mais poderoso e vasto,
Como o Reino de Baçarel.

(E Baçarel é um grande Reino, 
Onde príncipes vêm a luz;
Baçarel, terra bem nobre, 
Seu lugar de nascimento.)

 Resultado de imagem para antónio baticã ferreira


















































Nota biográfica:
António Baticã Ferreira nasceu em Canchungo, em 1939. Filho de um soba (chefe de tribo em África, também denominado régulo), estudou em vários países, formando-se em medicina e tendo exercido a profissão no Hospital Santa Maria, em Lisboa. Não publicou nenhum livro, mas, segundo a sua família, tem muitos poemas inéditos. Os “Cadernos da Sociedade de Língua Portuguesa - Poesia e ficção I”, de 1972, pp. 15-21, publicaram sete poemas seus, seis deles reproduzidos em “No reino de Caliban” (1989) e também já tinha aparecido em “Poilão - Caderno de Poesias” (1973). Segundo Secco (1999: 214), «por ter vivido fora da Guiné, passa em seus versos a angústia do exílio. Canta a saudade da infância na Guiné e o mar, ...., apesar de pouco recorrente» (Couto e Embaló, 2010:108).

Fontes:
http://www.nicoladavid.com/literatura/antnio-batic-ferreira
https://lerparacrer.wordpress.com/tag/antonio-batica-ferreira/
Couto, Hildo Honório do ; Embaló, Filomena. (2010). “Língua, literatura e cultura na Guiné-Bissau, um país da CPLP”. PAPIA, revista brasileira de estudos crioulos e similares [Em linha], nº 20. Brasília: Editora Thesaurus. [Consult. mai. 2019]. Disponível em http://abecs.net/ojs/index.php/papia/article/viewFile/341/362.