"Cores e Sabores" e outros poemas de Tony Tcheka


Este blogue pretende ser um lugar de divulgação da poesia guineense em português.

Com a independência do país, surge uma vaga de jovens poetas, entre os quais se destacam Tony Tcheka (António Soares Lopes), Agnelo Regalla, José Carlos Schwarz, Hélder Proença,
Francisco Conduto de Pina, Félix Sigá, cujas obras impregnadas ainda de espírito revolucionário, manifestam um caráter social. O colonialismo, a escravatura e a repressão são temas desses autores que, no pós- independência imediato, apelam para a construção da Nação e invocam a liberdade (Embaló, 2004).



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Tony Tcheka (Antonio Soares Lopes) nasceu na República da Guiné-Bissau a 21 de dezembro de 1951. Trabalha como jornalista desde 1975 e é hoje um dos poetas mais famosos de seu país. Os seus poemas apareceram em várias antologias de poesia na Guiné-Bissau, antes da publicação de estreia "Noites de insónia na terra adormecida", de 1987, publicado em 1996. O tema principal da sua poesia, assim como do seu trabalho como jornalista, é um confronto crítico com a história, a política e a sociedade de seu país.


Veja o seguinte vídeo em que o poeta declama um dos seus poemas, “Cores e Sabores". 

http://videos.sapo.pt/Q8Cb9aDuRprwEZnB9Ml1


De seguida, alguns dos seus poemas.

TERRA TÍSICA
terra sahel
vento
cinzento
esboçando
voos amargos
movediços
esperança a esvaiar
das alturas do futa djalon

-o bombolom
lamina ventos
anuncia eventos
repica forte
e geme
no corpo
do vento saheliano

dores saheis
em contravento

a seca
é um gemido ululante
sublimado
nas cordas adelgaçadas
do nhanhero griot

a chuva
que o vento
levou
mora no imaginário
sumido
de um choro
sem tambores
sem cana sem
lágrimas

o vento
deixou-nos
a ânsia gotejando
no pulmão da terra tísica

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POVO ADORMECIDO
Há chuvas
que o meu povo não canta
Há chuvas
que o meu povo não ri

Perdeu a alma
na parede alta do macaréu

Fala calado
e canta magoado

Vinga-se no tambor
na palma e no caju
mas o ritmo não sai

Dobra-se sob o sikó
como o guerreiro vergado
cala o sofrimento no peito

O meu povo
chora no canto
canta no choro
e fala na garganta do bombolon

Grei silêncio
quebrado
nas gargalhadas de Kussilintra
em quedas de água
moldando pedras
esfriando corpos
esculpidos
no corpo do bissilão
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NOSTALGIA
Cinzento nicotina
serpenteia o meu quarto
argola o tempo que não passa

                 Tu não apareces
                             nada acontece….

O som sobe em 33 rotações
a voz sofrida de Ottis Reding
sustenta o calor de um canto soul

Emerges de uma nota de piano
por momentos bailas
na circunferência de uma bola de fumo
que se esquiva pela persiana

Fica o som dilatado do sax
a dar passagem a Ottis
a sentenciar “time is over”


Nada acontece…
Nicotino o espaço que se fecha
sobre mim sem ti

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CONCERTO DE “DJUNTA MON”
I
A dor encosta-se a mim
abraça-me forte
espalha-se pelo corpo
em glândulas de fome

Enfermo
declino o convite
para a grande festa da liberdade
Estou no meu tempo
no meu espaço
na minha tabanca
     onde festa
      não cabe
             Grassa o choro
                       a doença
                                  crianças morrendo
                                                       dia a dia
                                                              hora a hora!


                II
Não…
Não vou a Berlim
ver o muro em pedaços
Viajo sim no olhar desesperado
do menino moçambicano
nicando a raiz seca
que desistiu de crescer
para morrer na boca pequena

Na África-tabanca
morre-se
aos pedaços
e
pedaços que não são saudades
da minha herdade
deixo-os fluir ao vento
até que a história
faça a contrição
do tempo madrasta

                  III
Mas se amanhã levantarem o cerco
que nos tolhe o sol
prometo
que
             levarei os nossos cikós
             os nossos tambores
             os nossos djidius

e
com os vossos pianos e saxs
dançaremos na voz de Sinatra Pavaroti
Nina Simone e Milles Davies
no cume da estátua da liberdade

O batuque terá o sabor
das pedras ontem feitas muro
e de cada pedaço da vergonha caída
nascerá um tambor para o concerto
de djunta-mon!

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Zé da Tugalândia
chamavam-lhe Zé
Zé sapateiro
Zé tuga
por vezes sô Zé

homem da Tugalândia
nhu Zé de bissau-velho
homi grandi

Ih!!!

Garandi nan!!!

ninguém se lembra quando chegou
diz-se que veio num navio-motor
sobre ondas adamansadas

vinha só
maleta de cartão na mão
duas, ou três palavras
eram o seu discurso
uma era certamente “senhor”
senhor sem cor
sem temor
e sem idade

um gesto feito tique
- um leve inclinar da cabeça
dispensava palavras vãs
dimensionava a grandeza
de homem de trabalho

bissau velho acordava
chamado pelo seu toc-toc
calcando pregos
cozendo rijos nós
fechando jambutas famintas
para basófias caminhadas na praça
ou bailes suarentos de fins de semana

nos novos tempos
com as naus fazendo
o caminho do regresso
levando-lhe mulher, filhos, netos
e clientes
e amigos
nem um queixume
nem um murmúrio
se ouviu
nem mesmo quando a doença
a ele se encostou


assim era
sô Zé

conheceu sargentos e comandantes
ingratos e devedores
administradores, impostores
nunca recebeu governadores
nem medalhas, nem diplomas

tinha dois amores
guiné
paixão sentida
cozida com nós fortes
                                     a dez dedos

e
Tugalândia
eternamente a sua metrópole
                                     madrasta
sô Ze de Bissau-velho
homi grandi
garandi nan!

Bissau

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Agosto, meu país
Agosto
de evento
& ventos
tem
ventos
trazendo
nuvens
negras
aniladas
cercando
a cidade
descendo
sobre
nós

Vento
tornado
vento
macho
sacudindo
o tempo
mexendo
remexendo
indo
e
vindo
e
  ven tan do

enovelando
abrindo
as portas
d’água

natureza
emocionada
dançando
- a
dança
do vento
no ritmo
marcado
pelos
trovões

Agosto
é
corpo
bronze
de
mulher
feito
espelho
pela
água
da
chuva
abundante
em gotas
bojudas

Agosto
é
chuva
indomada
beliscando
as
casas
de barro
embebendo
a cobertura
de colmo
que logo
pinga
de penúria

Agosto
é
chuva
grossa
sobre
a terra
abrindo
piscinas
para menino
de brinquedo
de lata
nadar
brincar
e
rolar
e
sonhar
e
ser

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Tchico Tem-Tem
Tchico Tem-Tem
da Nha Tchibita da Tchada de Burro

Tchico Tem-Tem
               na bola de trapos
         vida  tem-tem
              que nada tem

Entre quedas
e cambalhotas
Tchico foi na onda
                             - chegou à terra-branco…
                       encalhou nos becos do Rossio

Montou bureau d`affaires de nada
… vende histórias passadas e inventadas
                                            Sorrisos à borla
e receituários por haviar
   são marcas da casa

As esquinas e as ruelas lisboetas
desembocam sempre no Tem-Tem
                                                              fundibulário

Veste a fadiga
de sossego
com histórias de manga curta
nada que faça suar

Tchico
brejeiro
cara erguida
mãos nos bolsos
vazios
assobiadelas marotas
                                                       Jeito cultivado
entre
                                quedas e cambalhotas
                                            para espantar a fome
                                                                nos becos do rossio.

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Mulher da Guiné

Intimas o espaço
frondosa
palmeira verde
desafias o arco-íris
nas tuas cores
de mulher
caminhas suave
navegando
em estradas
de nenufares

Mulher da guiné

amendoinha, fole, manga de terra
cabaceira, abacate, goiaba, veludo
- os sabores dos teus lábios

Mulher da guiné

mimoseas o andar
como o canto de uma voz eunuca
coqueiro balouçando ao vento
perfume de terra molhada
beijando a esplanada de areia branca de Varela


sorriso brando
corpo ébano
suando a maresia
és tu Mulher da Guiné

marcam-te o espaço na órbita
das três pedras do fogão
nos circuitos da lenha
no vai-vem da fonte
de - balde - em - balde
nos labirintos esquecidos da cozinha
querem-te domesticamente adormecida

mas
segues os acordes
das melodias do teu chão
dos korás, e bombolons
dos djembés e dos nhanheros
- os teus caminhos

Mulher da Guiné

corpo veludo sossego
musicado em sons de flauta
duas pequenas luas
explodindo na cara canseira

asseda os tormentos
segue caminhando
 e leva contigo a tua Guiné
a novos partos de sabura.

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Lusa língua
língua lusa minha
não sei se sonhas ó língua!  sei, sim que deixas sonhar.
língua! lusa língua minha companheira é amiga, fraterna, e arauto.
rejeita espaços herméticos, fechados, limitados por falsas fronteiras. veste-se
literariamente de tendências universalistas.
e quando um dia transportada em caravelas foi impelida a sonhar com “novos mundos”
deixou-se conquistar. conquistámo-la! é ternuramente nossa.
anichou-se nos meus sonhos. sonha comigo e alimenta o calcanhar da minha terra
vermelha vestindo musas e amantes de muitos amores.
na sua mágica andança  pelas novas “moranças” africanas aonde se instala, ora é ponte,
ora é chave para ganhar espaços dantes negados...
e ajuda o sonhar e falar e encantar e ser e ter.
lusa língua, minha ferramenta operária é o meu baú de sentimentos, enciclopédia viva
de tolerância. algures na costa ocidental da áfrica, mostra-se solidária, tolerante.
interpreta camões na lírica dança multirracial ritmada pelo som mediático do compasso
ancestral do bombolom. coabita criolizada e criadora e abecedária ao lado de mais de
duas dezenas de outras línguas, ali nascidas mas feitas almas gémeas ante a iminência
da construção de uma terra nova.
nas águas serenas do corubal a lusa língua sobe rio acima... e na parede alta do macaréu
sonha com o meu país que um dia será nação. ali, a lusa língua sonha com noites sem
insónias e sem bastões analfabetos molestando gente e abafando mentes ávidas de saber.
afinal língua, tu sonhas, interpretando sonhos que não dormem!

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Poemar


Fui à escrita 
poemar
um flirt com a poesia 
uma paixão gerada em sílabas
prenhes de ternura
o corpo não cede ao fogo
resta a poesia
e sou mais eu em ti
No presságio a palavra 
palavra, que lavra 
em safras de ardoamor 
apocalipse de corpos
em procissão de amor
No lusco-fusco do crepúsculo 
me encontro
vejo o fogo
nascer do iceberg 
do teu corpo-mármore
A poesia ocorre 
em plasmas de amor 
vem com o calor-vermelho 
que invade o corpo 
em cortinas de suor
E fleuma do teu corpo-rosa
libertando ternura sonegada 
em suspiros de madrugada morena 
que pétalas de feitiço-crioulo
              acalentam em seivas de amor.

Antologia poética da Guiné-Bissau. Coordenação do Centro Cultural Português em Bissau e da União Nacional dos Artistas e Escritores da Guiné-Bissau. Prefácio de Manuel Ferreira. Lisboa, Editorial Inquérito, 1990.

Querer cerzido

Vou-me divorciar
da arte
despir a árvore
folha a folha
saborear o fruto
bago a bago
e na raiz
saciar o desejo ilegítimo

                Na esteira da vida 
                num querer cerzido
                o poema nasce fêmea

Mulher é teu nome 
apareces na noite 
como a via láctea 
cresces na madrugada 
como o silêncio 
para tormento 
do poeta amordaçado

               Na esteira da vida
               és palmeira virgem 
               que a vida cedo há-de corroer

Devasso-me em procissões de amor
perverto o desejo e a querença
Num querer madrasta
a recusa é dorardor
sublimando a dor

               Na esteira da vida
               vou surribar o amor 
               em sofismas de buganvília

A poesia não cede
a rima cíclica se esvai
a paixão é dor miúda
silenciada
na sinagoga da vida

Antologia poética da Guiné-Bissau. Coordenação do Centro Cultural Português em Bissau e da União Nacional dos Artistas e Escritores da Guiné-Bissau. Prefácio de Manuel Ferreira. Lisboa, Editorial Inquérito, 1990.


Anti-racismo

Vou desfiar
a palavra
e fiar
que atrás
desse rosto
sem cor
lavado pela chuva miúda
a verdade
saltite gulosa 
sem o abstracto da reticência
ou a exclamação teimosa 
da negra noite 
pasmada
com a ternura mansa 
do sol vermelho
acariciando a madrugada indistinta
vou subir com a noite
devassa
explodir em cada minuto
da hora que passa
e viver a lucidez 
da minha loucura 
sem o arco-íris da imaginação
não quero o amargo da cor 
porque traz a dor em fatias rácicas
com lascas de ódio
e eu. Assumindo-me 
pleito. Todo em mim 
recusarei a força da cor 
distinguindo homens 
diferenciando gentes

                          ó cor vaidosa
                          és mentirosa

e vou ordenar 
que o vermelho 
o preto
o branco 
mais
a cor de burro quando foge 
só sirvam
sem magoar 
na tela imaginária 
do poeta 
todo ele 
trepadeira sem fronteira
Bissau, 1985
Antologia poética da Guiné-Bissau. Coordenação do Centro Cultural Português em Bissau e da União Nacional dos Artistas e Escritores da Guiné-Bissau. Prefácio de Manuel Ferreira. Lisboa, Editorial Inquérito, 1990.

A prometida

Dóli só
Djena sem ninguém
do romance inocente
a tragédia bacilenta

papá homem grande
se meteu
uma vaca
um saco de farinha
um tambor de cana
umas folhas de tabaco

a permuta
a prometida

três
dias
depois
da lua

com fome de amor
boca acre não come
com sede de ternura
garganta seca rejeita água
as lágrimas engrossam
e rolam
no rosto macilento
Djena dezassete chuvas
Djena uma vida por viver
Djena a prometida
Djena mulher de hoje

tem fome
não come
tem sede
não bebe

corpo de mulher
inerte como o silêncio
firme como a recusa
repousa intacta
num sono inviolável 
(in Vozes poéticas da lusofonia, Sintra, 1999)

Tecto de silêncio
Ergo a minha voz
e firo o tecto de silêncio
nego a morte de crianças
porque há míngua de medicamentos

Na angústia
liberto o verbo
mordo o pólen da desgraça
que grassa
nesta África desventurada
em obra
e graça
Subdesenvolvendo-se

Coloco andaimes
nos alicerces do tempo
Perscruto os ventos
Circunciso as ondas
Nego a convivência da paciência
que amordaça a fala
e cala o sentimento

Exorcizo o paludismo
Apeio a poliomielite
Amputo a desgraça
e eis a graça da criança
florescendo a vida



E não te chamas Cristo

Tens o crucifixo de muitas chuvas 
cravado na palma da mão 
com que matizas a terra 
em tempos de kebur

Tempo finado 
tempo fincado no peito da dor 
disputando a sobra do cuntango 
Tempo enlutado 
tempo anoitecido 
no entardecer da esperança

Na curvatura 
do tambor onde expias o desespero 
fizeram do teu corpo sepultura do medo 

Negam-te o pedaço da tua tabanca 
dão-te uma vida assalariada 
taxam-te uns tantos por cento 
para a sobrevivência autorizada 

E não te chamas Cristo 
e só pregas com o arado 


Povo adormecido
Há chuvas
que o meu povo não canta
Há chuvas
que o meu povo não ri 

Perdeu a alma
na parede alta do macaréu

Fala calado
e canta magoado

Vinga-se no tambor
na palma e no caju
mas o ritmo não sai

Dobra-se sob o sikó
como o guerreiro vergado
cala o sofrimento no peito

O meu povo
chora no canto
canta no choro
e fala na garganta do bombolon

Grei silêncio
quebrado
nas gargalhadas de Kussilintra
em quedas de água
moldando pedras
esfriando corpos
esculpidos
no corpo do bissilão



Globalizado excluído


A
Carta
de
alforria
que
floriu
no templo
das proclamações
decretos
e
convênios
libertadores
murchou
desandou
como
a
flor
sahel

amnésica
ficou
sem
os
pergaminhos

globalizada

nos
grilhões
dos
novos
navios
negreiros
ressurge
sob formas
manhetas
manietada pelas
fronteiras farpadas
impostas por patriarcas ilusionistas
batutadores da escrita família
do comércio proteccionista de exclu$ão &
companhia Lda.

In: Guiné sabura que dói, União Nacional dos Escritores
 e Artistas de S. Tomé e Príncipe, 2008.


Silabar a paz


RISCO
na folha
do teu corpo
azul
pergaminho
desta vida
cerzida
com fios
de tulipa
negra
espelho
que o mago
tingiu

GRITO
com a voz
de pedra
e sinto
os ventos
irromperem
das vértebras
da noite

ASSIM
tacteando
com as minhas
mãos
presas
ao umbigo
da vida
trespasso
a acidez
da loucura
em ponto final

SOLTO
todas
as vozes
silabando
a paz
com acentos
de liberdade



Batucada na noite

Bissau cresce
quando o sol desce
vem com o fio da noite
e só adormece
quando amanhece 

O álcool
e o week-end
inflamam corpos
cheios de adornos

Na noite
há insónias
e sónias de muitos nomes
não é só o mote
aqui há funky
há merengada
e antilhesas na madrugada
Lufadas de amor
moldam corpos
suarentos de ardor
há um saracoteio
permanente
na passarelle da noite
sedas flutuantes
coxas remexendo
num sincopado
que dá síncope

O odor
mastiga o ar
sem pudor mistura-se
confunde-se
catinga
chanel
paco rabane
água cheiro
suor
e dior
ça va comme ça…
O old scotch
dá o toque final
É fatal
afinal porque não… 

A batucada cresce
abre o espaço
a cidade não dorme



Canto à Guiné

Guiné 
    sou eu 
        até depois da esperança

Guiné 
   és tu 
      camponês de Bedanda teimosamente 
      procurando a bianda na bolanha 
      que só encontra água na mágoa da tua 
lágrima

Guiné 
     és tu 
          criança sem tempo de ser menino 

Guiné 
    és tu 
          mulher-bidera 
                 em filas de insónia 
                          noites di kumpra pon 
                                               (mafé di aos)

Guiné  

   é um grito 
      saído de mil ais 
           que se acolhe n calcanhar 
da terra adormecida 

Mas 

Guiné somos todos mesmo depois da 
esperança

(Vocabulário:
Kumpra pon = noites de comprar o pão
Mafe di aos = a única alimentação/ conduto
Bidera = Revendedeira)







Imerecimento
Adormeço
na
luz
dos
teus
olhos
vejo
Veneza
que
não
conheço
Ondulo
num
círculo
de
ondas
de
levitação
Confesso:
não
mereço
a
ternura
da
gôndola
acariciando
as
águas
onda
a
onda

http://guineletras.blogspot.com/2011/03/tony-tcheka-antonio-soares-lopes.html




Perdão do poeta
Aqui das cordas 

do meu korá 
peço perdão 
a quem o meu canto 
fere 
Acolá 
jaz a esperança 
do hino adiado 
da palavra amansada 
de vozes emudecidas 
Além Pindjiguiti 
Virou lagoa 
com cisnes imaculados, 
nenúfares e gente-bem 
que vem 
e se instala 
sob o plasma 
do meu sofrimento 
Morés 
espreitando 
nas persianas do silêncio
Tony Tcheka, [Bissau.1979]
In https://www.aelg.gal/resources/publications/12526604314112002_06.pdf

Refrão da fome
Esse som
que chega 
e me nega o sono 
Não é choro 
não é chuva 
Mimoseando a terra ressequida 
Não é pranto  
nem sorriso incontido 
É um gemido perdido 
um choro sentido 
mas não chorado 
Choro… 
Sufoco de menino 
fere o conto de N’Gumbé 
em refrão amargo 
de fome.
Tony Tcheka, [1981]
In https://www.aelg.gal/resources/publications/12526604314112002_06.pdf

Nota biográfica:

Tony Tcheka foi diretor da Rádio Nacional da Guiné-Bissau (RDN), chefe da redação e diretor do Jornal Nô Pintcha, tendo criado um suplemento cultural e literário com o nome "Bantabá”. Como jornalista, foi também correspondente e analista, tendo trabalhado com a BBC, Voz da América, Voz da Alemanha, Tanjug e, em Portugal, com a Agência Noticiosa Portuguesa (ANOP), com o jornal Público, com a RTP África e com a TSF.

Tony Tcheka foi um dos fundadores da Associação de Escritores da Guiné-Bissau (AEGUI), tendo sido eleito vice-presidente da associação. Colaborou na criação da União de Artistas e Escritores da Guiné-Bissau (UNAE) onde desempenhou o cargo de secretário executivo. Ajudou a criar e presidiu à Associação Guineense de Jornalistas (AJGB) em Setembro de 1986.

Tem colaborado com diversas entidades reconhecidas internacionalmente como UNICEF, Swedish Save de Children, UNESCO, IRIN (ONU) e IPAD (Portugal) entre outras.


https://www.aelg.gal/resources/publications/12526604314112002_06.pdf
Embaló, Filomena. (2004). Breve resenha sobre a literatura da Guiné-Bissau. In http://www.didinho.org/Arquivo/resenhaliteratura.html